Princípios do Treinamento para Saltadores: Implicações para o Desenvolvimento da Força Muscular





O histórico bom desempenho dos saltadores brasileiros tem contribuído para o domínio de nosso atletismo na área sul-americana. Embora não tenhamos atingido o nível de popularidade que gostaríamos, com um número muito baixo de jovens envolvidos com o esporte em comparação com nossa gigantesca população, temos sempre desenvolvido saltadores de elite mundial.

Essa tradição remonta aos anos 50, com Adhemar Ferreira da Silva, um dos maiores triplistas da história. Adhemar foi seguido por Nelson Prudêncio e João Carlos de Oliveira, e são raros os países no mundo que podem se orgulhar de terem produzido três recordistas mundiais no salto triplo. Apesar de não termos desenvolvido outros saltadores dessa categoria desde João Carlos, são dignos de nota Anísio Silva (7º no Mundial de 93), Nelson Ferreira Junior (5º no Mundial de 97, no salto em distância) e Maurren Higa Maggi (líder do ranking mundial em 99 no salto em distância). A tradição no salto triplo está prestes a continuar, com o jovem Jadel Gregório, que acaba de saltar 17,13m. No salto em distância, temos um atleta ainda mais jovem, Thiago Carahyba Dias, que aos 17 anos tem saltado entre 7,60m e 7,70m.

Tendo a oportunidade de trabalhar, juntamente com a Profª Tania Moura, com alguns dos atletas citados acima, estou convencido que esses resultados recentes não têm sido obtidos por acaso. Considerando as restrições de espaço e tempo, procurarei apresentar um esboço dos princípios que têm guiado a preparação a longo prazo dos saltadores de nosso grupo, e suas implicações para o treinamento da força muscular.


.:Organização do Treinamento a Longo Prazo:.

Acredito firmemente na afirmação de que são necessários de 8 a 10 anos de treinamento para desenvolver um atleta de alto nível. A fim de ser considerado um atleta de alto nível, não basta realizar um grande salto. É preciso ser consistente. Seguindo essa definição, Maurren Maggi pertence a esse grupo. Por outro lado, Jadel Gregório, que em março saltou o que era na época a melhor marca do mundo do ano (17,13m), tem como segunda melhor marca pessoal 16,48m. Assim, é claro que, embora bem dotado, tem ainda um longo caminho a percorrer até estabilizar seus resultados acima dos 17 metros.
A fim de garantir o sucesso futuro, devemos planejar toda a carreira do atleta. Isso é mais fácil quando a dividimos em fases, como se vê na Figura 1 e Tabela I.



Figura 1. Representação esquemática das etapas de formação do atleta. Baseado em THUMM (1987), GAMBETTA (1986), PILA-TELEÑA (s/d) e THOMPSON (1991).

FASE IDADE DE INÍCIO DURAÇÃO OBJETIVOS E CARACTERÍSTICAS
INICIAÇÃO ESPORTIVA
Etapa I: Fundação
Etapa II - Treinamento Básico
9 a 11 anos (pré-púberes)
Etapa I
12 a 13 anos (púberes)
Etapa II
4 a 5 anos · Aquisição da técnica básica de diferentes disciplinas
· Desenvolvimento da auto-imagem
· Experiências Gerais de Movimento
· Multilateralidade
· Jogos, Atividades lúdicas
· Competições adaptadas
ESPECIALIZAÇÃOINICIAL 14 a 15 anos 3 a 4 anos · Refinamento das técnicas
· Desenvolver comportamento adequadofrente à competição
· Opção por um grupo de provas
· Maior formalidade das competições
ESPECIALIZAÇÃOFINAL 18 a 20 anos 3 a 4 anos · Grande domínio da técnica fina
· Opção por uma especialidade
· Freqüência e intensidade do treinamentoe das competições aumentadas
ALTO NIVEL 21 a 24 anos Indeterminada · Realização do potencial coordenativo, condicionante e psicológico, expresso pelaobtenção de rendimentos de alto nível

   Tabela I: Etapas da Formação do Atleta.
   Baseado em THUMM (1987), GAMBETTA (1986), PILA-TELEÑA (s/d) e THOMPSON (1991).

.:Organização do Ciclo Anual:.

Desde os anos 60, periodização tem sido considerado o meio mais efetivo de organizar o ciclo anual de treinamento. Atualmente, encontramos diferentes propostas de organização, cada uma delas muito difícil de ser validada cientificamente. O que considero importante é selecionar princípios e conceitos sólidos e tomar as decisões baseado neles. Apesar de todas as discussões vistas entre os teóricos do treinamento desportivo, algumas afirmações parecem convencer à maioria:

· Atletas de alto nível devem se submeter a treinamento específico durante toda a temporada. Quando falamos a respeito de saltadores, essa especificidade inclui a escolha dos melhores exercícios, considerando o tipo de força e os objetivos a serem atingidos (Figura 2);
· Treinamento geral pode atrapalhar o desenvolvimento das capacidades especiais. Portanto, atletas de alto nível não devem tentar desenvolver suas capacidades gerais além de um nível que seja absolutamente necessário (por exemplo, força máxima - uma capacidade geral para saltadores - não guarda relação com desempenho em saltadores de alto nível, e quando é enfatizada por mais de 8 semanas consecutivas provoca queda do rendimento em testes de força explosiva e reativa);
· A prescrição e o controle do treinamento levando em conta o volume do trabalho realizado tem tido sua importância superestimada. Os valores propostos geralmente encontrados na literatura são muito altos para serem realizados com qualidade e segurança em um ambiente livre de drogas;
· Maior ênfase deve ser dado à qualidade do treinamento, o que faz com que a monitoração dos atletas enquanto realizam exercícios especiais seja fundamental. Não há problema se um atleta de alto nível - que possui uma grande habilidade para explorar suas capacidades especiais a cada repetição de um determinado exercício - realizar um menor número de repetições que um atleta em desenvolvimento, desde que a monitoração mostre que a qualidade caiu a um nível abaixo do desejado;



Figura 2: A importância da especificidade durante o treinamento de força. O agachamento foi o exercício de treinamento. Modificado de FAHEY (1998).

· As fases da forma desportiva (aquisição, manutenção e perda planejada) podem ser repetidas muito mais freqüentemente do que se pensava no passado. A estrutura formal com dois períodos competitivos com localização rigidamente determinada tem sido abandonada. Ciclos curtos são melhores que ciclos longos (TSCHIENE, 1989) para prevenir o over-training e a estagnação do rendimento provocada pelo fenômeno da adaptação completa.
A Figura 3 mostra um modelo de periodização com elementos da estrutura de blocos, que tenho usado como base para organizar o treinamento anual de saltadores.



Figura 3: Organização do treinamento baseada no modelo de blocos. Modificado de COMETTI (1991)

.:Força Muscular nas Provas de Saltos no Atletismo:.

Força Muscular é uma expressão que tem sido usada para definir a capacidade do músculo esquelético produzir tensão, força e torque máximos, a uma dada velocidade. A tensão gerada pelo músculo tende a provocar alguma mudança em seu comprimento, e consequentemente a alteração dos ângulos articulares, possibilitando assim o movimento. É um fator determinante do desempenho nos saltos, e dependendo de sua interação com velocidade ou resistência, pode se manifestar de maneiras muito diferentes (Figura 4). Nas provas de saltos, as manifestações mais importantes são chamadas de força explosiva e força reativa, embora níveis adequados de resistência de força e de força máxima também devam ser desenvolvidos em determinados períodos de treinamento, seja para fornecer os pré-requisitos para o posterior desenvolvimento das manifestações especiais, seja atuando preventivamente contra o aparecimento de lesões.



Figura 4. Modelo das relações entre velocidade, força e resistência. Reproduzido de NEUMANN (1988).

Embora ainda seja comum a organização do treinamento de força considerando a seqüência resistência de força - força máxima - força explosiva (talvez uma herança das abordagens quantitativas de organização do treinamento), novos estudos têm demonstrado que a transformação das adaptações do treinamento de resistência de força ou de força máxima em direção à força explosiva não se dá de maneira tão direta quanto se pensava antes. Na verdade, quando os estímulos para as manifestações de resistência de força ou de força máxima duram por mais do que oito semanas, efeitos negativos sobre o desempenho em testes de força explosiva (BOSCO, 1985) ou mesmo na microestrutura muscular (WIEMANN & TIDOW, 1995) já podem ser notados. A esse respeito, ANDERSEN, SCHJERLING & SALTIN (2000) afirmam que quando o músculo é submetido a treinamento pesado por mais de um mês, as fibras IIb se convertem totalmente em fibras IIa, ao mesmo tempo em que ficam maiores. Quando o treinamento pesado é interrompido, há uma reconversão das fibras IIa para IIb, porém seguindo uma curva semelhante à da supercompensação: indivíduos que possuiam 9% de fibras IIb antes do treinamento pesado, tiveram esse valor reduzido para 2% após três meses de treinamento, sendo que depois de um período de detraining também de três meses a porcentagem de fibras IIb aumentou para 18% (Figura 5).



Figura 5: Reconversão das fibras tipo IIa para fibras tipo IIb após a interrupção do treinamento com cargas elevadas. Reproduzido de ANDERSEN, SCHJERLING & SALTIN (2000).

Esses dados vistos em conjunto são muito interessantes, e justificam o uso do treinamento pesado por seis a oito semanas no primeiro ciclo de treinamento, bem como a inclusão de breves períodos (2 a 3 semanas) de treinamento de força máxima ao longo do ano. A grande redução no volume e intensidade de treinamento nas etapas de pré-competição e competição também encontram respaldo na constatação de que essa conduta proporciona a reconversão das fibras para o tipo de contração mais rápida. O método complexo (contraste) tem aumentado muito sua popularidade entre saltadores, e a maioria dos programas de treinamento com pesos que utilizo fazem uso de seus princípios. Esse método busca aumentar a probabilidade de que ocorra a transferência do efeito do treinamento para uma situação real de competição, jogando com o sistema nervoso central pela variação do tipo e intensidade de estímulo. BOSCO (1985b) propôs o conceito da hipergravidade no treinamento de saltadores. Recentemente, SANDS e colaboradores (1996) replicaram os estudos de Bosco, e seus dados parecem confirmar que o uso cotidiano de roupas especiais com cargas adicionais podem trazer benefícios importantes para o rendimento em provas de potência.


Recrutamento das unidades motoras no treinamento da força e potência musculares (Princípio de Henneman e suas exceções)

Tem sido claramente demonstrado que o recrutamento das unidades motoras durante a maioria das solicitações musculares obedece um padrão onde primeiro são recrutadas as unidades menores (compostas por fibras tipo I), que têm um limiar de ativação mais baixo. Quando a intensidade da ação muscular é muito alta, progressivamente são integradas ao pool de unidades recrutadas aquelas de maior dimensão (compostas por fibras tipo II). Mesmo nos momentos iniciais de uma solicitação máxima, embora as fibras tipo II sejam capazes de produzir forças maiores, as primeiras a serem recrutadas são as fibras lentas (Figura 6). Há, no entanto, exceções a esse princípio, muito importantes quando lidamos com treinamento desportivo.



Figura 6: Princípio de Henneman. Reproduzido de SALE (1992)

BOSCO (1985a) verificou uma relação negativa entre desenvolvimento das capacidades de força máxima e de força explosiva em atletas italianos de alto nível, especialistas em provas de saltos no atletismo. Embora não recomende a eliminação completa desse tipo de treinamento na preparação de atletas especialistas em provas de potência, ele sugere uma limitação na duração do período devotado à força máxima (no máximo 8 semanas). Sua argumentação é justamente centrada no recrutamento dos diferentes tipos de unidades motoras: após 8 semanas de treinamento, já começam a se consolidar alterações estruturais no músculo indesejáveis para a expressão da capacidade de força explosiva. A hipertrofia das fibras tipo I se colocariam como um obstáculo ao rendimento de alto nível (Figura 7). Antes que essas alterações ocorressem de maneira importante, outros métodos de treinamento que estimulassem preferencialmente as fibras tipo II (particularmente as do tipo IIb) deveriam substituir os métodos usados para o desenvolvimento da força máxima. Tem sido demonstrado que atividade excêntrica de alta intensidade apresenta um padrão de recrutamento que é exatamente o oposto ao citado acima, o mesmo ocorrendo com atividades balísticas treinadas. Ao que parece, há um recrutamento preferencial das fibras tipo II, devido a seu menor tempo de relaxamento, necessário para um melhor controle muscular durante ações excêntricas (HOWELL, 1995). Treinamento pliométrico é um dos meios que podem melhorar a força e potência musculares com recrutamento seletivo das fibras tipo IIb.



Figura 7. Interação entre a produção de força por fibras rápidas e lentas durante esforços dinâmicos e estáticos. Reproduzido de BOSCO (1985a).

Respostas e adaptações ao treinamento da força e potência musculares

Tem sido demonstrado que o treinamento da força muscular provoca rápidos ganhos em seu início, sem que se observe um concomitante aumento de massa muscular (Figura 8). Essa adaptação inicial pode ser explicada pela melhoria nos padrões de recrutamento das unidades motoras, e pode ser chamada de adaptação neural (aprendizagem). O recrutamento seletivo de um maior número de unidades motoras (principalmente do tipo IIb), ativadas a uma maior freqüência, e de maneira melhor sincronizada, são os fatores neurais que permitem uma maior produção de força e potência musculares (SALE, 1992).



Figura 8. Adaptação neural e hipertrofia no desenvolvimento da força muscular. Reproduzido de SALE (1992).

Adaptações estruturais (Hipertrofia) ocorrem em um segundo momento, como resultado da exposição continuada ao treinamento da força muscular. Essa hipertrofia pode se dar de maneira seletiva (em determinados tipos de unidade motora, de acordo com o ênfase do treinamento), e pode ser resultado do aumento da quantidade de proteína não-contrátil (sarcoplasmática) e/ou contrátil (SIFF & VERKHOSHANSKY, 1998) (Figura 9).



Figura 9. Hipertrofia sarcoplasmática e miofibrilar. Reproduzido de ZATSIORSKY (1995).

Uma resposta interessante a contrações voluntárias máximas tem sido descrita na literatura como Facilitação Pós-Tetânica (SIFF & VERKHOSHANSKY, 1998; GÜLLICH & SCHMIDTBLEICHER, 1996). Quando um músculo realiza uma ação isométrica máxima por cerca de 5 segundos, experimenta nos primeiros minutos após essa ação uma diminuição na capacidade de gerar força explosiva. Em um segundo momento, porém, ocorre uma uma resposta facilitadora que lhe permite gerar força máxima em menos tempo em esforços dinâmicos. Estudos ainda são necessários para que se determine com segurança um protocolo de utilização das ações isométricas máximas durante o aquecimento em competições, mas essa é com certeza uma possibilidade animadora para qualquer atleta que participe em provas de potência.



Figura 10. Alturas de vôo (h) e tempos de contato (t) em salto em profundidade antes (linha tracejada) e após (linha cheia) 3 MVC (contrações voluntárias máximas). Reproduzido de GÜLLICH & SCHMIDTBLEICHER, 1996.

.:Pliometria:.

A partir da década de 60, tem existido uma ávida busca de meios e métodos de treinamento que possam aumentar a quantidade de energia armazenada e reutilizada pelo músculo durante o CEC. Os exercícios que exploram esse ciclo são chamados de exercícios pliométricos, e são definidos como aqueles que "ativam o ciclo excêntrico-concêntrico do músculo esquelético, provocando sua potenciação elástica, mecânica e reflexa" (MOURA, 1988). É interessante notar que existem determinados fatores que interferem no nível de potenciação, elástica e/ou reflexa, e que portanto modificam a capacidade de gerar trabalho positivo durante o CEC. Dentre esses fatores, os mais importantes parecem ser a amplitude e velocidade da fase excêntrica, bem como o tempo de transição entre as fases excêntrica e concêntrica (CAVAGNA, 1977). A situação mais favorável é a que combina pequena amplitude e grande velocidade da fase excêntrica com um tempo de transição entre as duas fases bastante curto.
Entre os exercícios pliométricos construídos para estimular o desenvolvimento da força explosiva dos membros inferiores destacam-se os saltos em profundidade, em suas inúmeras variações (Figura 11). Nesses saltos, o indivíduo efetua uma queda livre a partir de um plano elevado, e tão logo toque o solo procura executar um salto vertical máximo. Esses exercícios têm sido tão populares que chegam a ser considerados sinônimos de pliometria, o que parece não ser adequado (MOURA, 1988; CHU & PLUMMER, 1984).



Figura 11. Salto em Profundidade Tradicional (SPT).

A altura da queda nos saltos em profundidade representa a sobrecarga excêntrica, e é uma variável importante a ser manipulada durante o treinamento. Embora encontremos recomendações na literatura quanto a altura da queda que variam de 0.38m a mais de 2 metros (LUNDIN, 1985), o que tem sido mais aceito atualmente é que existe uma altura ótima de treinamento. NASSER (1990) afirma que testes de salto em profundidade são realizados na prática cotidiana por treinadores, que utilizam alturas de queda crescentes, a partir de 20 cm. O teste pliométrico é interrompido quando o atleta não for mais capaz de obter desempenhos pelo menos iguais ao obtido na altura anterior. A altura ótima de treinamento, então, é aquela que permite o maior salto vertical subsequente à queda livre. Essa interpretação tem sido aceita até hoje (BOSCO, 1985 a). A figura 12 mostra os resultados obtidos por uma saltadora de distância de elite internacional (recorde pessoal = 6.20 m) durante a realização de saltos em profundidade sem auxílio dos braços, com alturas de queda de 20, 40, 60 e 80 cm. Nessa situação, a altura de 60 cm pareceu representar a altura ótima de treinamento para o Salto em Profundidade Tradicional, e 80 cm para o Salto em Profundidade Modificado, para essa atleta em particular (MOURA, 1993). Há, no entanto, outras questões importantes que devem ser consideradas na eleição da altura ótima individual.



Figura 12. Altura do salto vertical obtida após diferentes alturas de queda livre, em duas condições de salto em profundidade, apresentadas por uma saltadora de distância de elite internacional (recorde pessoal = 6.20m), onde SPT = Salto em profundidade tradicional, e SPM = Salto em profundidade modificado.

A figura 13 mostra duas curvas de forças de reação do solo, geradas durante saltos em profundidade. A curva A foi gerada pela atleta citada acima, enquanto a curva B foi gerada por um atleta iniciante. Percebe-se que as curvas apresentam um formato muito diferente, sendo que o fator mais importante é a existencia de dois picos na curva do atleta iniciante. O primeiro desses picos, que não se verifica no caso da saltadora de elite, representa o pico das forças passivas, e apresenta grande potencial para causar lesões, sem contribuir significativamente para o desempenho, ao contrário do segundo pico, representante das forças ativas. A existência ou não do primeiro pico está associada ao toque do calcanhar no solo. Assim, se o indivíduo estiver tocando o calcanhar no solo após a queda livre, deve-se diminuir a altura de queda, ou mesmo adiar a introdução do salto em profundidade nos programas de treinamento (MOURA, 1994).



Figura 13. Curvas das forças de reação do solo durante a realização de saltos em profundidade, para uma atleta de nível internacional (A) e um atleta iniciante (B).

Embora o treinamento pliométrico não tenha a intenção de substituir o treinamento com pesos (na prática, os dois co-existem na tarefa de desenvolver a força especial de saltadores), suas variações seguramente são mais eficazes no desenvolvimento da RFD (rate of force development, gradiente de força) - um dos mais importantes componentes da força especial para essa população - do que o uso de pesos elevados (Figura 14).



Figura 14. Efeitos do treinamento de saltos e do treinamento com pesos elevados sobre a Força Máxima e o Gradiente de Força (RFD). Reproduzido parcialmente de SALE (1992).

Curva Força-Velocidade

São clássicos os trabalhos de Hill do início do século, que mostram a relação inversa entre força produzida e velocidade de encurtamento do músculo, seja ele isolado ou "in-vivo". Na figura 15, vemos que essa curva pode ser reproduzida de maneira simples pelo uso de saltos verticais com diferentes cargas. Três saltadores de distância de elite nacional e internacional (recordes pessoais: 8,00m; 7,44m e 7,44m) realizaram testes de saltos verticais com cargas que variaram de 0 a 30 kg. Percebe-se claramente que a altura do salto diminui com o aumento da carga, o que é uma resposta absolutamente preditível. Uma observação atenta do gráfico, no entanto, nos mostra outras informações interessantes. Os atletas FRW e MRC aparecem em posições invertidas nos dois extremos da curva, o que indica que cada um deles tem características de força explosiva absolutamente distintas. Isso pode ser explicado por diferenças individuais, ou por diferentes orientações no treinamento. O treinamento, como se sabe, tende a deslocar cada ponto da curva para cima e para direita, mas pode também modificar o formato dessa curva, alterando algumas regiões e não outras (Figura 16). O acompanhamento individual longitudinal da evolução da curva força-velocidade pode mostrar se o treinamento está equilibrado ou se está privilegiando de maneira inadequada algum dos componentes (força e velocidade), permitindo ao treinador realizar as correções que considerar necessárias. O atleta RBS, embora com os menores valores em cada uma das condições, mostrou aparentemente a curva mais equilibrada dos três atletas, embora não se possa dizer no atual estágio de conhecimento se essa seria a mais adequada para atletas especialistas no salto em distância.



Figura 15. Curva força-velocidade de três atletas especialistas no salto em distância, construída a partir de testes de saltos verticais (explicação no texto).



Figura 16. Alterações no formato da curva força-velocidade, em dependência do tipo de estímulo. Modificado de KOMI & HÄKKINEN, 1988.Saltos em suspensão: o uso do método facilitado para a criação de um novo programa motor

RITZDORF (1998) é um dos autores que propõem a diminuição da carga durante a realização dos saltos como um estímulo para treinar o componente velocidade da força rápida. Segundo o autor, novos programas motores - predominantemente rápidos - podem ser formados com esse tipo de estímulo. Mesmo atletas predominantemente rápidos, mas sem um bom nível de força muscular, podem ter seus programas comprometidos quando não o treinam. Temos usado borrachas cirúrgicas atadas a cinturões de alpinismo para criar uma tração vertical positiva, que na prática diminui o peso do saltador, possibilitando tempos de contato bastante curtos durante a realização de exercícios de salto.

.:Conclusão:.

Há muitas propostas de organização do treinamento que parecem capazes de conduzir ao alto nível. Há, também, incontáveis meios e métodos para o desenvolvimento da força muscular de saltadores, todos também com o potencial de criarem as condições para o rendimento de alto nível. Não tive a pretensão de apresentar as melhores alternativas, apenas de mostrar como interpreto o conhecimento científico e metodológico atual e como os aplico na prática. Acredito que, mais importante do que se esmiuçar os procedimentos do dia-a-dia, é definir claramente os princípios e conceitos nos quais se acredita, e tomar então todas as decisões práticas baseado nesses princípios. Os princípios mais importantes citados aqui, e que eu gostaria que fossem lembrados ao menos para discussão, foram:

1. Ciclos curtos são melhores que ciclos longos na organização anual do treinamento;
2. Treinamento de força especial deve ser realizado durante toda a temporada, pois os efeitos do treinamento são absolutamente específicos;
3. A qualidade do treinamento (potência produzida a cada repetição) é muito mais importante do que seu volume (toneladas levantadas, ou número de saltos realizados).


.:Referências Bibliográficas:.

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